Desertificação

O que é desertificação e por que esse processo ameaça milhões de brasileiros?

17 de junho de 2025

A desertificação parece um fenômeno distante para grande parte da população brasileira, mas é uma realidade cada vez mais urgente no País. Na Caatinga, onde milhões de pessoas já convivem com os efeitos da desertificação, este problema ambiental se converte também em uma questão social, climática e econômica, que desafia a capacidade de adaptação das comunidades e do próprio Estado. Mas é também nesse território que nascem algumas das soluções mais promissoras para enfrentar o problema, causado pela ação humana e potencializado pela crise climática.

Mas afinal, o que é a desertificação?

Segundo a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD), trata-se do processo de degradação das terras em zonas áridas, semiáridas e subúmidas secas, resultante de fatores como variações climáticas e atividades humanas. No Brasil, o foco principal está no semiárido nordestino, que abriga boa parte da Caatinga.

“A desertificação tem causas multifatoriais e complexas. Vai desde práticas agrícolas inadequadas, desmatamento e sobrepastoreio até os efeitos agravados das mudanças climáticas, como secas prolongadas e ondas de calor. É um ciclo de retroalimentação: práticas que causam a perda do solo, o solo remanescente é degradado e retém menos água, o que agrava a seca e acelera ainda mais a degradação”, explica Pedro Sena, coordenador técnico do Cepan (Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste) e conselheiro da Rede para Restauração da Caatinga (ReCaa), que é um capítulo da SOBRE.


Uma ameaça silenciosa e estrutural


O Brasil já tem quase 13% de seu território suscetível à desertificação. Áreas inteiras do semiárido estão em processo avançado de degradação, o que impacta diretamente a agricultura, a disponibilidade de água, a segurança alimentar e a permanência das populações em seus territórios.

E há um agravante: nem sempre será possível reverter os danos. “Em áreas muito degradadas, a restauração ecológica tradicional não dá conta. Precisamos de obras de infraestrutura muito caras e complexas, o que torna o foco na conservação preventiva e na mitigação dos efeitos ainda mais importantes”, destaca Pedro.


Políticas públicas de base social: a força das tecnologias simples


Apesar do tamanho do desafio, algumas políticas públicas de base social têm mostrado resultados promissores. Um dos exemplos é o Programa “Um Milhão de Cisternas”, criado pela ASA (Articulação do Semiárido) e hoje vinculado à Casa Civil. A iniciativa propõe captação e armazenamento de água da chuva em cisternas, uma solução simples que tem se mostrado altamente eficaz. As cisternas, além de garantir água para o consumo humano e a produção agrícola, também se consolidam como estratégia de mitigação da desertificação porque aumentam a capacidade das famílias de trabalhar com água mesmo na seca.

“A retenção de água no solo é um dos fatores-chave para impedir que áreas produtivas entrem em processo de desertificação. E isso só é possível quando há políticas públicas articuladas com o conhecimento local, como no caso das cisternas”, pontua Pedro.

O biólogo ressalta, no entanto, que o país ainda carece de uma política pública estruturada e robusta voltada especificamente para o combate à desertificação. O tema vem sendo discutido, mas ainda não vejo ter a mesma prioridade para se concretizar como outras políticas ambientais nacionais, como o Planaveg (Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa).


Povos tradicionais: aliados estratégicos


Um dos aspectos mais sensíveis dessa crise ambiental é o impacto desigual entre os diferentes grupos sociais. Povos indígenas, comunidades quilombolas e tradicionais, como comunidades de fundos de pasto e geraizeiros, estão entre os mais afetados pela desertificação.

Ao mesmo tempo, são também parte central da solução. Detentores de saberes tradicionais, muitas vezes alinhados com princípios agroecológicos, práticas regenerativas e modos de vida sustentáveis, esses grupos são aliados valiosos para enfrentar o problema.

“Essas populações têm uma capacidade enorme de mobilização, ação territorial e cuidado com a saúde do solo. E são elas que estão na linha de frente, não só enfrentando os impactos, mas também aplicando soluções práticas no chão”, afirma Pedro.

A contradição é evidente: enquanto grandes proprietários rurais - muitas vezes os causadores da degradação - têm mais recursos para se deslocar ou se adaptar, as populações tradicionais sofrem com mais intensidade os efeitos da desertificação, resultando em perda de meios de subsistência, insegurança alimentar, adoecimento e desestruturação cultural.

Felizmente, o cenário atual apresenta sinais de mudança. “Diferentes pastas do governo têm aberto mais espaço para diálogo com povos e comunidades tradicionais. A expectativa é que essas vozes estejam cada vez mais contempladas nas ações futuras, sendo um caminho que não deve ser regredido”, diz Pedro.


Um tema transversal na COP 30 e nas políticas climáticas


A COP 30, que acontecerá em Belém do Pará em novembro de 2025, será um momento emblemático para o setor ambiental no Brasil. Embora o foco não seja a desertificação, o evento é estratégico para pautar o tema, especialmente no contexto da adaptação às mudanças climáticas.

“A desertificação vai se agravar com a mudança do clima. Vamos ter chuvas cada vez mais irregulares, com longos períodos de seca intercalados por eventos extremos de precipitação. Tudo isso impacta diretamente a saúde do solo, e se retroalimentam a práticas inadequadas de uso da terra”, alerta Pedro.

O tema da desertificação também ganhou destaque internacional com a COP 16 da UNCCD, realizada em 2023 na Arábia Saudita. O Brasil teve papel de protagonismo, liderando uma delegação de mais de 100 pessoas e propondo emendas para inclusão de povos e comunidades tradicionais nas negociações internacionais.

Além disso, o retorno da Comissão Nacional de Combate à Desertificação (CNCD) foi um marco importante. Trata-se de um fórum consultivo e deliberativo que articula governo e sociedade civil com o objetivo de formular políticas públicas específicas para o tema.

A busca por soluções efetivas



Um marco importante é o desenvolvimento de soluções para reversão da desertificação. Nesse sentido, a Caatinga tem despontado como grande articuladora nacional e internacional em busca de determinar formas de combate à desertificação.

As estratégias adotadas vão desde a disseminação de boas práticas de conservação do solo, como a manutenção da matéria orgânica do solo proveniente da cobertura vegetal, até intervenções ativas com a finalidade de aumentar a retenção de água acoplada com a semeadura direta de espécies herbáceas de colonização inicial. “A ReCaa tem procurado expandir os diálogos com diferentes atores sociais na Caatinga para facilitar esse processo, dado o caráter multidisciplinar das soluções recomendadas para a reversão de áreas em processo de desertificação”, afirma Pedro.

A hora é agora



Com a restauração de terras como tema central do ano de 2024 para a UNCCD, o momento é oportuno para o Brasil confirmar seu compromisso com a restauração da Caatinga e a resiliência dos territórios vulneráveis.

Afinal, a desertificação remete a questões centrais como justiça ambiental, soberania alimentar, segurança hídrica e adaptação climática. Ignorar esse fenômeno é apostar na ampliação da pobreza, da migração forçada e do colapso de ecossistemas inteiros, problemas que serão cada vez mais expandidos para todos os biomas do Brasil.




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